Organiza o Natal
Carlos Drummond de Andrade
Alguém observou que cada vez mais o ano se compõe de 10 meses;
imperfeitamente embora, o resto é Natal. É possível que, com o tempo, essa
divisão se inverta: 10 meses de Natal e 2 meses de ano vulgarmente dito. E
não parece absurdo imaginar que, pelo desenvolvimento da linha, e pela
melhoria do homem, o ano inteiro se converta em Natal, abolindo-se a era
civil, com suas obrigações enfadonhas ou malignas. Será bom.
Então nos amaremos e nos desejaremos felicidades ininterruptamente, de
manhã à noite, de uma rua a outra, de continente a continente, de cortina
de ferro à cortina de nylon — sem cortinas. Governo e oposição, neutros,
super e subdesenvolvidos, marcianos, bichos, plantas entrarão em regime de
fraternidade. Os objetos se impregnarão de espírito natalino, e veremos o
desenho animado, reino da crueldade, transposto para o reino do amor: a
máquina de lavar roupa abraçada ao flamboyant, núpcias da flauta e do ovo,
a betoneira com o sagüi ou com o vestido de baile. E o supra-realismo,
justificado espiritualmente, será uma chave para o mundo.
Completado o ciclo histórico, os bens serão repartidos por si mesmos entre
nossos irmãos, isto é, com todos os viventes e elementos da terra, água, ar
e alma. Não haverá mais cartas de cobrança, de descompostura nem de
suicídio. O correio só transportará correspondência gentil, de preferência
postais de Chagall, em que noivos e burrinhos circulam na atmosfera,
pastando flores; toda pintura, inclusive o borrão, estará a serviço do
entendimento afetuoso. A crítica de arte se dissolverá jovialmente, a menos
que prefira tomar a forma de um sininho cristalino, a badalar sem erudição
nem pretensão, celebrando o Advento.
A poesia escrita se identificará com o perfume das moitas antes do
amanhecer, despojando-se do uso do som. Para que livros? perguntará um anjo
e, sorrindo, mostrará a terra impressa com as tintas do sol e das galáxias,
aberta à maneira de um livro.
A música permanecerá a mesma, tal qual Palestrina e Mozart a deixaram;
equívocos e divertimentos musicais serão arquivados, sem humilhação para
ninguém.
Com economia para os povos desaparecerão suavemente classes armadas e
semi-armadas, repartições arrecadadoras, polícia e fiscais de toda espécie.
Uma palavra será descoberta no dicionário: paz.
O trabalho deixará de ser imposição para constituir o sentido natural da
vida, sob a jurisdição desses incansáveis trabalhadores, que são os lírios
do campo. Salário de cada um: a alegria que tiver merecido. Nem juntas de
conciliação nem tribunais de justiça, pois tudo estará conciliado na ordem
do amor.
Todo mundo se rirá do dinheiro e das arcas que o guardavam, e que passarão
a depósito de doces, para visitas. Haverá dois jardins para cada habitante,
um exterior, outro interior, comunicando-se por um atalho invisível.
A morte não será procurada nem esquivada, e o homem compreenderá a
existência da noite, como já compreendera a da manhã.
O mundo será administrado exclusivamente pelas crianças, e elas farão o que
bem entenderem das restantes instituições caducas, a Universidade
inclusive.
E será Natal para sempre.
Ah! Seria ótimo se os sonhos do poeta se transformassem em
realidade.
Texto extraído do livro "Cadeira de Balanço", Livraria
José Olympio Editora - Rio de Janeiro, 1972, pág. 52.
ALPHONSUS DE GUIMARAENS
Canto de Natal
A Criança
que dorme
é tua e
também minha.
Junto
dela a grande noite
se apaga,
e se avizinha
a
madrugada santa,
com seus
rumores castos...
E a
Criança repousa,
e a
Criança se esquece,
enquanto
que no espaço
e no
tempo se tece
a coroa
de espinhos,
como um
luar de sangue
sobre os
altos caminhos.
In: GUIMARAENS FILHO, Alphonsus de. Poemas
reunidos, 1935/1960. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1960. Poema integrante da
série O Unigênito, 1946/1947.
CORA CORALINA
VINICIUS DE MORAES
FERNANDO PESSOA
MIRIAM DE SALES
CARTA AO PAPAI NOEL
BOM DIA,MEU QUERIDO,desculpe a intimidade
indevida com um senhor de barbas brancas e opulenta barriga,mas,nos conhecemos
há tantos anos-exatos 73-e,como eu também tenho cabelos brancos(no nosso tempo
chamava-se cãs,lembra-se?) permiti-me esta ousadia.Vencemos mais um Natal,eu e
você,sobrevivemos aos abraços,á ceia pantagruelica,ás luzes e aos bons
votos;nestes tempos modernos,você também foi agraciado,pois ,o Google traçou
seu roteiro e as crianças do mundo inteiro puderam localizá-lo via internet;a
rena Rudolph,que adora aparecer(se não,porque aquele nariz vermelho
sobressaindo na neve?)ficou feliz porque o seu trabalho de guia foi
minimizado,poupadas suas perninhas centenárias.Graças a seus ajudantes
terrenos,pessoas de boa vontade,milhares de crianças carentes também receberam
os mimos do Natal;famílias modestas,como a do Menino,puderam ter uma ceia
decente e bocas aonde faltavam dentes,mas,não a esperança,sorriram felizes de
barriga cheia,pelo menos,naquele dia,livres do fantasma da fome e do
desamor.Para isto serve o Natal,meu querido,para ativar a solidariedade,para
despertar o melhor nas pessoas,para que muitos compartilhem e louvem o
renascimento da Esperança,tão bem retratado na criança de Belém;Quando assiste
e participa de tudo isto a gente crê que a Humanidade ainda tem jeito,apesar
das guerras ,dos crimes e da
descrença generalizada,doença virulenta
que atinge os seres humanos.
Mas,o Bem prevalecerá.
Porque o Natal simboliza o Renascer, todos
nós acordamos um pouquinho melhor depois desta noite mágica.E,você,querido
amigo,ainda entrará por muita chaminé,ainda fará muita criança sorrir,ainda
estará presente no inconsciente de cada adulto que um dia foi uma criança de
olhos compridos e coraçãozinho batendo na noite de Natal;esta criança não pode
morrer,vamos ressuscitá-la.Dentro de nós só deveria existir um código de
conduta,como Ele nos ensinou:”Não façais aos outros o que não queres que vos
façam”.Simples assim.
EU RECOMENDO
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