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domingo, 30 de maio de 2010

LER DEVIA SER PROIBIDO!


Ler devia ser proibido


06/11/2007 in Leitura, Livros
Tags: Leitura, ler, Livros



Não poderia deixar de tornar conhecido,o esclarecedor texto da historiadora Guiomar de Grammont,que bem merecia ser mais divulgado,para que todos tomassem conhecimento e começassem a pensar.


Texto de Guiomar de Grammont
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Afinal de contas, ler faz muito mal às pessoas: acorda os homens para realidades impossíveis, tornando-os incapazes de suportar o mundo insosso e ordinário em que vivem. A leitura induz à loucura, desloca o homem do humilde lugar que lhe fora destinado no corpo social. Não me deixam mentir os exemplos de Dom Quixote e Madame Bovary. O primeiro, coitado, de tanto ler aventuras de cavalheiros que jamais existiram meteu-se pelo mundo afora, a crer-se capaz de reformar o mundo, quilha de ossos que mal sustinha a si e ao pobre Rocinante. Quanto à pobre Emma Bovary, tomou-se esposa inútil para fofocas e bordados, perdendo-se em delírios sobre bailes e amores cortesãos.

Ler realmente não faz bem. A criança que lê pode se tornar um adulto perigoso, inconformado com os problemas do mundo, induzido a crer que tudo pode ser de outra forma. Afinal de contas, a leitura desenvolve um poder incontrolável. Liberta o homem excessivamente. Sem a leitura, ele morreria feliz, ignorante dos grilhões que o encerram. Sem a leitura, ainda, estaria mais afeito à realidade quotidiana, se dedicaria ao trabalho com afinco, sem procurar enriquecê-la com cabriolas da imaginação.

Sem ler, o homem jamais saberia a extensão do prazer. Não experimentaria nunca o sumo Bem de Aristóteles: o conhecer. Mas para que conhecer se, na maior parte dos casos, o que necessita é apenas executar ordens? Se o que deve, enfim, é fazer o que dele esperam e nada mais?

Ler pode provocar o inesperado. Pode fazer com que o homem crie atalhos para caminhos que devem, necessariamente, ser longos. Ler pode gerar a invenção. Pode estimular a imaginação de forma a levar o ser humano além do que lhe é devido.

Além disso, os livros estimulam o sonho, a imaginação, a fantasia. Nos transportam a paraísos misteriosos, nos fazem enxergar unicórnios azuis e palácios de cristal. Nos fazem acreditar que a vida é mais do que um punhado de pó em movimento. Que há algo a descobrir. Há horizontes para além das montanhas, há estrelas por trás das nuvens. Estrelas jamais percebidas. É preciso desconfiar desse pendor para o absurdo que nos impede de aceitar nossas realidades cruas.

Não, não dêem mais livros às escolas. Pais, não leiam para os seus filhos, pode levá-los a desenvolver esse gosto pela aventura e pela descoberta que fez do homem um animal diferente. Antes estivesse ainda a passear de quatro patas, sem noção de progresso e civilização, mas tampouco sem conhecer guerras, destruição, violência. Professores, não contem histórias, pode estimular uma curiosidade indesejável em seres que a vida destinou para a repetição e para o trabalho duro.

Ler pode ser um problema, pode gerar seres humanos conscientes demais dos seus direitos políticos em um mundo administrado, onde ser livre não passa de uma ficção sem nenhuma verosimilhança. Seria impossível controlar e organizar a sociedade se todos os seres humanos soubessem o que desejam. Se todos se pusessem a articular bem suas demandas, a fincar sua posição no mundo, a fazer dos discursos os instrumentos de conquista de sua liberdade.

O mundo já vai por um bom caminho. Cada vez mais as pessoas lêem por razões utilitárias: para compreender formulários, contratos, bulas de remédio, projetos, manuais etc. Observem as filas, um dos pequenos cancros da civilização contemporânea. Bastaria um livro para que todos se vissem magicamente transportados para outras dimensões, menos incómodas. E esse o tapete mágico, o pó de pirlimpimpim, a máquina do tempo. Para o homem que lê, não há fronteiras, não há cortes, prisões tampouco. O que é mais subversivo do que a leitura?

É preciso compreender que ler para se enriquecer culturalmente ou para se divertir deve ser um privilégio concedido apenas a alguns, jamais àqueles que desenvolvem trabalhos práticos ou manuais. Seja em filas, em metros, ou no silêncio da alcova… Ler deve ser coisa rara, não para qualquer um.

Afinal de contas, a leitura é um poder, e o poder é para poucos.

Para obedecer não é preciso enxergar, o silêncio é a linguagem da submissão. Para executar ordens, a palavra é inútil.

Além disso, a leitura promove a comunicação de dores e alegrias, tantos outros sentimentos… A leitura é obscena. Expõe o íntimo, torna colectivo o individual e público, o secreto, o próprio. A leitura ameaça os indivíduos, porque os faz identificar sua história a outras histórias. Torna-os capazes de compreender e aceitar o mundo do Outro. Sim, a leitura devia ser proibida.

Ler pode tornar o homem perigosamente humano.»

Guiomar de Grammont


SOBRE A AUTORA:

Vida:




Brasileira, de Ouro Preto, Minas Gerais.

Nasceu a 03 de outubro de 1963.



Graduada em História, Licenciatura Plena e Bacharelado, pelo Instituto de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Federal de Ouro Preto, em Minas Gerais. Cursou Especialização em Cultura e Arte Barroca no Instituto de ARte e Cultura da mesma Universidade. Realizou o Mestrado em Filosofia na Universidade Federal de Minas Gerais. Atualmente, cursa o Doutorado em Literatura Brasileira na Universidade de São Paulo, USP, sob orientação do professor João Adolfo Hansen. Frequentou os cursos da Ecole de Hautes Etudes en Sciences Sociales de Paris durante o ano de 1999 e primeiro semestre de 2000, sendo orientada pelo professor Roger Chartier.



Obteve «Menção Honrosa» na categoria Contos no 22º Concurso da Revista Literária da Faculdade de Letras da UFMG, com o conto «O Diário de Medéia», em 1989.



Publicou o livreto de contos Corpo e sangue, Belo Horizonte: Editora Dez Escritos, 1991.



Concorreu a uma bolsa da Fundação VITAE em São Paulo, com o projeto do romance intitulado A casa dos espelhos, sendo um dos contemplados para o ano de 1992. O romance, com o título Katábasis, produzido com o patrocínio da VITAE, ficou entre os dez finalistas do prêmio Cidade de Belo Horizonte, em 1995.



A coletânea de contos de sua autoria O fruto do vosso ventre foi agraciado com o «Prêmio Casa de las Américas 1993» de Cuba, publicada no mesmo ano em Havana pela Casa de las Américas, e no Brasil, em São Paulo, pela Editora Maltese, em 1994. O livro já foi traduzido para o alemão e, atualmente, está sendo traduzido para o francês.



Publicou artigos em diversos jornais e revistas científicas do país. Coordenou, de 1995 a 1998, o Curso de Especialização em Cultura e Arte Barroca no Instituto de Filosofia, Artes e Cultura da Universidade Federal de Ouro Preto. Atualmente, faz a editoração da Revista do IFAC, uma publicação sobre cultura e arte barrocas da UFOP e leciona Filosofia da Arte para os cursos de Filosofia e Teatro. Organizou dois congressos internacionais sobre o barroco na cidade de Ouro Preto e, na Embaixada do Brasil em Paris, o Colóquio «Autour du Brésil Baroque» na ocasião da Exposição «Brésil Baroque: Entre Ciel et Terre» realizada no Museu do Petit Palais em Paris de 4 de novembro de 1999 à 4 de fevereiro de 2000.



Realizou leituras com sucesso de público na Casa de las Américas de Cuba, na Romanische Buchandlung em Berlin e na Cité Internationale Universitaire de Paris.



















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