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sábado, 26 de junho de 2010

O "BOCA DO INFERNO"

GREGORIO DE MATOS GUERRA:O “BOCA DO INFERNO”






CONSIDERADO por Glauber Rocha “gênio da raça”e estudado pelos maiores e mais renomados intelectuais baianos,Gregorio de Matos,continua tão enigmático hoje,como há 400 anos atrás,quando nasceu na Bahia considerado um dos mais importantes poetas seiscentistas.


Por seus versos virulentos e ferinos,versos que apesar da Inquisição ,nunca economizaram o lombo dos poderosos e do clero,,era um poeta maldito,execrado pelos moralistas,uma espécie de bruxo-exu-guia das letras nacionais,principalmente as malcomportadas,no dizer de seu biógrafo Higino Barros.


Apesar de nascido em 1636 e morrido em1695,no Recife,o poeta continua tão atual pois nos tempos de Arrudas e mensalões ,políticas globalizantes,neoliberalismos e especuladores irresponsáveis,sua obra continua a espelhar a sociedade,com tanta propriedade,como se ainda estivéssemos no século em que viveu.


A dificuldade de se reunir a obra de Gregório de Matos é que ele não deixou nada escrito e sua obra é quase toda focada na tradição oral.


Da sua vida,sabe-se pouco.Nasceu na Bahia em 23 de Dezembro de 1632,embora a data seja contestada por Pedro Calmon,que apostava no dia 20;sua família,de raízes portuguesas fez fortuna no Brasil,depois de deixar a Corte,graças ao seu avô,Pedro Gonçalves de Matos,que desembarcou aqui como mestre de obras,uma espécie de empreiteiro,enriquecendo rapidamente com a construção de quartéis,fontes e ladeiras.Era também,o único dono de um guindaste novo,para transportar mercadorias da cidade baixa para a alta.Some-se a isso,os engenhos da cana com 130 escravos,a fazenda de Inhambupe,atochada de gado e tem-se uma vaga idéia da posição social e econômica da família.


O pai do poeta,Gregório de Matos,casou-se com Maria Guerra e teve cinco filhos,os mais conhecidos,o Padre Eusébio de Matos,famoso orador sacro e o nosso poeta,que de sacro e temente a Deus e á Igreja,não tinha nada.


O pai só aumentou os bens da família e,seus filhos foram estudar em Portugal,na Universidade de Coimbra,ninho de todos os brasileiros ricos da época.Gregório estudou leis e casou-se com D. Michaela de Andrade,já magistrado e com uma boa posição.Ficou viúvo aos 42 anos e voltou para a Bahia como desembargador e ,agora,clérigo tonsurado,padre de batina e tonsura.


Parece que a entrada na vida religiosa foi uma jogada de mestre para conseguir o que queria,pois,mal aportando aqui,jogou a batina ás baratas,e,aconselhado por um amigo a viver de acordo com a Igreja,respondeu:”que não podia votar a Deus o que era impossível cumprir dado ao seu temperamento e fragilidade de sua natureza.”


Meteu-se em brigas políticas,angariando inimigos e,enquanto seus amigos batiam-se em duelos com espadas,ele achincalhava os adversários com sua pena virulenta e temerária.O que é pior?Matar um homem ou reduzi-lo ao ridículo?Decidam vocês!


Teve mesmo que fugir para o Recôncavo,mas,voltou com a pá virada,transformado no cronista picaresco da cidade.Casou-se com uma viúva pobre,porém,a mais linda moça do lugar,D.Maria dos Povos,por quem era apaixonado.Teve um filho chamado Gonçalo, como vingança por uma desavença domestica para provar que “em casa em que não manda a galinha é porque manda o galo.”Mas,o casamento não o domou.Apesar de racista,meteu-se com negras e mulatas,lundus,modas de viola(andava prá todo lado com uma viola de cabaça que ele mesmo fez,para ganhar os bons favores das negras e mulatas jeitosinhas dessa terra.


Um milagre a Inquisição nunca tê-lo pegado,pois,seus alvos favoritos eram as freiras,os padres e o Papa e chegou a rimar Jesus com cús.


Tantas aprontou que,para não ser morto,seu amigo,o governador D. João Lencastre o despacha para Angola.num exílio forçado.Lá meteu-se em confusão,um motim e teve que ser repatriado,dessa vez para Pernambuco,proibido de fazer versos,onde morreu em 1696.


Os poderosos,sossegaram;pois,o “Boca do Inferno,não alisava ninguém,e,dizem,foi o precursor do Tropicalismo,pois, seu escritório de advogado, era adornado com bananas e frutas tropicais,mais tarde considerado como símbolo de identificação cultural brasileiro(modernismo,tropicalismo,Carmem Miranda).


O fato é que foi progressista demais para sua época;um artista livre,consciente de seu dom e do poder dos seus versos.Uma mais completa tradução do barroco baiano,de origens portuguesas,porém,plantado no Brasil.


Eis uma amostra dos seus versos:


Mancebo sem dinheiro,bom barrete,
medíocre o vestido,bom sapato,
meias velhas,calção de esfola-gato,
cabelo penteado,bom topete.

Presumir de dança,cantar falsete,
jogo de fidalguia,bom barato,
tirar falsídia ao Moço do seu trato
furtar a carne à ama,que promete.

A putinha aldeã achada em feira,
eterno murmurar de alheias famas,
soneto infame,sátira elegante...

Cartinhas de trocado para a freira
comer boi,ser quixote com as damas,
pouco estudo,isto é ser estudante.

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