Seguidores

quinta-feira, 11 de março de 2010

ESCREVER (BEM) É PRECISO!


A arte do conto
[Fragmento]

[Mary] Flannery O'Connor

Sempre ouvi dizer que o conto é um dos gêneros literários mais difíceis; e sempre tratei de descobrir por que as pessoas têm tal impressão a respeito do que considero uma das formas mais naturais e básicas da expressão humana. Até me inclino a pensar que a maior parte das pessoas possui certa capacidade inata para contar histórias; capacidade que costuma perder-se, não obstante, pelo caminho. Supostamente, a capacidade de criar vida com palavras é essencialmente um dom. Se alguém o possui desde o início, poderá desenvolvê-lo; mas se alguém carece dele, melhor será que se dedique à outra coisa. Todavia, pude advertir que são as pessoas que carecem de tal dom, as quais, com maior freqüência, parecem possuídas pelo demônio de escrever contos. Estou segura que são elas que escrevem os livros e os artigos sobre "como se escreve um conto". Um conto é uma ação dramática completa e nos bons contos os personagens mostram-se por meio da ação, e a ação é controlada por meio dos personagens. E como conseqüência de toda a experiência apresentada ao leitor, deriva-se o significado da história. De minha parte, prefiro dizer que um conto é um acontecimento dramático que implica a uma pessoa, tanto compartilhando conosco uma condição humana geral, tanto se achando numa situação muito específica. Um conto compromete, de um modo dramático, o mistério da personalidade humana. Para o escritor de ficção, no olho encontra-se a vara com a qual há de se medir cada coisa; e o olho é um órgão que, além de abarcar tudo quanto se pode ver do mundo, compromete com freqüência nossa personalidade inteira. Envolve, por exemplo, nossa capacidade de julgar. Julgar é um ato que tem sua origem no ato de ver. Na escrita de ficção, salvo em muitas ocasiões, o trabalho não consiste em dizer coisas, mas sim mostrá-las. Um bom conto não pode ser reduzido, só pode ser expandido. Um conto é bom quando vocês podem seguir vendo mais e mais coisas nele, e quando, apesar de tudo, seguem escapando-se de um. Na maioria dos bons contos é a personalidade do personagem o que cria a ação da história. Na maioria desses contos, sinto que o escritor pensou numa ação e logo selecionou um personagem para que a leve a cabo. Usualmente, existem mais probabilidades de chegar a um bom final se começar de outra maneira. Se partindo de um personagem real estamos no caminho de que algo ocorra antes de começar a escrever, não se necessita saber o que. Em verdade, pode ser melhor que se ignore o que vai acontecer. Cada um deve ser capaz de descobrir algo no conto que escreve. N. B.: Traduzido por Helton Cenci da versão em castelhano de Flannery O'Connor.

Vide mais textos no blog

Nenhum comentário:

Postar um comentário