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sábado, 27 de março de 2010

CEM ANOS DE SOLIDÃO




A obra “Cem Anos de Solidão” conta a saga da família Buendía, desde a fundação da cidade de Macondo até a sexta geração, quando a linhagem é encerrada. Essa narrativa é do gênero Realismo Fantástico e trabalha com elementos simbólicos, elementos estruturais do pensamento de uma sociedade arcaica, como o conformismo e imobilismo social e o modo de percepção do tempo. O tempo é mítico, ou seja, fora do tempo e do espaço dos homens, e entre outros fatores conta com elementos arquetípicos e alegóricos.José Arcádio Buendía e sua esposa Úrsula Iguarán são os fundadores da cidade de Macondo. Em razão disso, eles tomam sentido arquetípico, pois a partir daí eles se tornam referências tanto para as famílias que os acompanharam ao local onde foi fundada a cidade, quanto para sua própria família. São eles os geradores do primeiro ser humano a nascer na cidade de Macondo e é a partir deles que tudo começa.A cidade de Macondo é constituída por uma civilização arcaica, primitiva, pois os homens se defendem da História, dos acontecimentos passados, abolindo-os através da regeneração periódica do tempo. Um exemplo disso é a reação das pessoas com os fatos corridos. A própria personagem Úrsula, apesar da intensa seqüência de tragédias e fatos fantásticos que ocorriam em clã, permanecia plácida e passiva, apenas repetindo que “o mundo dá voltas”.

MITO DO ETERNO RETORNO
A expressão “o mundo dá voltas” alude ao tempo em que se passa a narrativa, que é o tempo mítico, o qual Mircea Eliade [O MITO DO ETERNO RETORNO] define como tempo que “transcende o tempo concreto”, ou seja, tudo ocorre ciclicamente e a trama é toda na base de acontecimentos fantásticos. É o lllud Temporis, o tempo imemorial das origens.
Todas as gerações da família Buendía foram acompanhadas pela personagem Úrsula, que viveu em torno de cento e cinqüenta anos. Essa centenária personagem elucida que as características físicas e psicológicas de sua família estavam associadas aos nomes repetidos: todos os Josés Arcádios eram impulsivos, extrovertidos e trabalhadores, enquanto que os Aurelianos eram pacatos, estudiosos e fechados em seu mundo interior. As sucessivas gerações de homens e mulheres batizadas homonimamente reforçam a sensação de repetição característica do tempo cíclico.
Eliade nos diz que as civilizações arcaicas percebem o tempo como heterogêneo, dividindo-o em linear (profano) e cíclico (sagrado). Há duas concepções para tempo cíclico: o infinito e o limitado. Os pergaminhos de Melquíades (cigano de imensa sabedoria e muito próximo de José Arcádio Buendía) contendo a saga da família Buendía estão escritos em tempo linear, com passado-presente-futuro. Porém a narração, a trama dos fatos, ocorre em tempo cíclico limitado, com as sucessivas repetições dos destinos das seis gerações e a extinção da estirpe ao final do ciclo de cem anos de solidão aos quais foram condenados.
Os pergaminhos foram escritos em tempo linear para fazer entender a passagem do tempo (ou seja, que inevitavelmente está sempre em curso). Esse artifício faz o tempo “correr” durante um determinado período (um ano, por exemplo), mas fantasticamente acaba retornando sempre.
Os manuscritos de Melquíades encontram-se grafados em sânscrito, antiga língua da família indo-européia, clássica da Índia e do Hinduísmo, citada como língua materna do cigano, declarando sua origem indiana. O fato de estar escrito em tal língua é usado na narrativa para ressaltar seu ritmo religioso, sagrado, sublinhando a concepção unidimensional do tempo para a humanidade primitiva, que se protege contra o terror da História, tendo uma condição de impotência diante de dados históricos, uma forma de existência aflitiva.

MITO COSMOGÔNICO
Esses pergaminhos também simbolizam o que Mircea Eliade define como mito cosmogônico (representação da Criação), pois neles está contida a criação da família, a origem de tudo. Os mitos cosmogônicos concentram-se nos textos literários alcançando a ordem do sagrado.
Dentro desse conceito podemos citar as chuvas que perduram por mais de quatro anos (cosmogonia aquática, como o dilúvio bíblico), simbolizando a “purificação” após o caos, o início de um novo ciclo, uma regeneração após o massacre de mais de três mil pessoas na estação ferroviária, massacre esse que simbolizou o caos. Encontramos outros exemplos de caos na narrativa, como as ações corrosivas de insetos, aparições de almas, orgias sexuais e etc.
Ao passo que o mito cosmogônico simboliza o início de um novo ciclo, esse tem seu fim marcado pelo caos, constituindo assim uma rotação cíclica dos estágios do tempo, ficando estabelecida a relação COSMOS x CAOS.
O tempo mítico da narrativa “Cem Anos de Solidão” tem uma característica peculiar quanto à velocidade. A velocidade da narrativa, como afirma Genette [FIGURES III], decorre da interação de fatores de natureza diversa: o tempo da história e a componente discursiva que a modeliza numa sintagmática narrativa.
A peculiaridade da obra em questão deve-se ao caráter pluridimensional do tempo: se passa em três velocidades diferentes. O que demorou cem anos (transcendentes ao tempo concreto) para acontecer na cidade de Macondo, na casa dos Buendía foi concentrado numa surreal coexistência de episódios num mesmo instante, como o narrador elucida quando Aureliano Babilônia, o último vivo da estirpe, decifra os pergaminhos escritos pelo cigano Melquíades. Não é a toa que o segundo nome do último Aureliano é Babilônia: vem do grego Babel e significa “confusão de línguas”, tendo sido ele o único a conseguir decifrar os pergaminhos grafados em sânscrito.Na cidade o tempo, mesmo sendo mítico, se passa mais próximo ao real por ser uma simples alegoria da América Latina, ocorrendo na amplitude do mundo, longe do centro.
Já na casa dos Buendía os episódios coexistem, como está explícito na epígrafe: “o primeiro da estirpe está amarrado à uma árvore e o último está sendo comido pelas formigas”, tudo escrito em “tempo presente”. Essa coexistência é encontrada na casa, no centro, por dali se originar o clã dos Buendía, o objeto da trama. O tempo mágico se apresenta nessas ações que o homem considera como mais importantes, únicas e sagradas, o que poderíamos chamar de rituais.
Há ainda o quarto de Melquíades na casa dos Buendía, que apresenta uma terceira característica temporal: nele o tempo é suspenso, simplesmente atemporal. Isso ocorre porque sua figura é altamente mítica, e decisiva na narrativa. É segundo suas previsões que tudo ocorre, nos seus pergaminhos é que está a totalidade do fenômeno COSMOS x CAOS.

CONCLUSÃO
Macondo é uma alegoria da América Latina, tanto no que se refere ao aspecto do conformismo e imobilismo social, visto que o homem aceita passiva e alienadamente os fatos ocorridos, como quando a cidade é invadida e devastada pelos americanos mas o povo, apesar de incomodado, mantêm-se inerte aos fatos, quanto à característica de sociedade patriarcal, pois confere a José Arcádio Buendía a idealização e fundação da cidade, além de ter em sua figura admiração e respeito de todos.
Até mesmo o nome “José” é uma referência ao patriarcado, considerando que José é, na narrativa Bíblica, o marido de Maria e pai de criação de Jesus Cristo. Além disso, é a figura masculina que ilustra o início e o fim da linhagem, quando Aureliano Babilônia encontra na epígrafe, já citada nessa análise, que “o primeiro da estirpe está amarrado a uma árvore (José Arcádio Buendía) e o último está sendo comido pelas formigas (filho de Aureliano Babilônia)”.
Cem Anos de Solidão nos remete ao labirinto do Minotauro (onde nasceu o MITO DO ETERNO RETORNO). É como se a família Buendía estivesse presa numa fortaleza, arquitetada por Melquíades, num labirinto de espelhos impossível de escapar, onde todos os caminhos levam ao centro. Cada membro da família tem traçado seu destino por um caminho, saindo de um mesmo princípio e chegando a um mesmo fim, que é o quarto de Melquíades (o centro ), onde se encontram os pergaminhos que contém encerrados em si o início e o fim de tudo.


Texto extraido do excelente site literário"PARA LER"

2 comentários:

  1. Miriam eu fico embasbacado com esse negócio de best seller. Tanta obra ruim estourando de vendas e tantos escritores fantásticos,maravilhosos. Eu tive uma época que em mais ou menos seis meses , acho que li tudo que havia de Garcia Marquez. Depois foi com Isabel Allende. Não quero ser bairrista nem xenófobo, mas temos tanta gente boa aqui na América Latina, não acha? Um abraço. Paz e bem.

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  2. Concordo,Cacá.Para mim,o Gabriel é um dos maiores contadores de estórias do mundo.Um escritor genial.Muitas vezes,volto a livros q/li e reli ,mas,q/são bússolas na minha vida.não os releio de cabo a rabo,mas,textos marcantes e inesquicíveis p/mim.
    A família Buendía é um desses avatares.
    Abraços

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